sábado, 17 de maio de 2008

Sem constrangimento - Especialista alerta sobre excessos nos apelos por dízimos

Quanto maior for a sua contribuição, maior será a bênção que Deus vai derramar sobre a sua vida!”; “Aquele que não entrega o dízimo está sob maldição!” Independentemente da teologia que cada igreja adota, frases como essas podem ser interpretadas como ameaças ou, pelo menos, constrangimento àqueles que, por um motivo qualquer (justo ou não, essa pessoa e Deus sabem), colocam pouco ou nenhum dinheiro no envelope de dízimos e ofertas, na sacola ou no gazofilácio. Se a doação de valores ao serviço do templo é uma prática comum e legítima, o constrangimento do fiel — que, dependendo do entendimento do juiz, pode incluir as famosas listas de dizimistas que algumas igrejas ainda ostentam no mural — pode virar um problema jurídico.
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Segundo Gilberto Garcia, advogado com pós-graduação e mestrado em Direito, professor universitário e conselheiro Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), não há nada de errado no apelo por dízimos e ofertas. “Na perspectiva religiosa, a entrega do dízimo é compromisso espiritual do fiel com Deus, sendo essa uma contribuição feita com amor, desprendimento e generosidade, destinada para o sustento e a propagação da obra de pregação do Evangelho de Cristo, como contido em Malaquias e reforçado por Paulo, que nos exorta a dar com alegria”, explica. Ele lembra que a natureza jurídica do dízimo consiste exatamente nisso: uma doação voluntária. Isso significa que, em termos de relação jurídica, o valor da contribuição, segundo Garcia, deve ser determinado pelo membro da igreja, de acordo com sua conveniência.
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“Trata-se de um exercício de fé, espiritualidade e religiosidade” diz. “A contribuição é de livre vontade, sendo fruto de compromisso pessoal do fiel, num ato de culto a Deus, não cabendo à organização religiosa fiscalizar ou estabelecer quaisquer benefícios ou bênçãos a quem contribua com mais, ou ainda penalidades ao membro que queira contribuir com menos do que o valor relativo a 10%.”
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Constrangimento. É justamente aí que reside o problema. Em algumas igrejas, especialmente entre denominações neopentecostais, é comum ouvir apelos como aqueles que abrem o texto desta matéria, ou até mais ostensivos. Quem não faz a oferta proposta pela pessoa que está dirigindo o culto pode ser levado ao constrangimento ou a uma situação vergonhosa, algo que o Código Civil não permite. “A exposição vexatória de pessoas é proibida, daí não ser recomendado ao pastor, a diretores estatutários, inclusive aos tesoureiros, ao conselho fiscal ou a qualquer membro da igreja a divulgação de valores contribuídos ou não por este ou aquele irmão”, comenta Garcia, lembrando que a apresentação pública de listas de contribuintes (que, indiretamente, expõe os membros da igreja cujos nomes não aparecem) deve ser evitada pelas igrejas, já que se trata de assunto privativo do fiel. A situação pode se tornar ainda mais grave quando a igreja decide impor sanções aos membros que não contribuem. Em casos extremos (e, felizmente, raros), o fiel chega a ser impedido de participar do culto, mas restrições como a proibição de integrar um ministério (grupo de música ou aula para crianças, por exemplo) não chegam a ser incomuns. De acordo com Garcia, isso pode gerar problemas para a igreja. “A contribuição do crente à Igreja, seja qual for sua confissão de fé, é espontânea, não devendo, sob qualquer hipótese, ser cobrada nem mesmo indiretamente, através do cerceamento do exercício de atividades, cargos ou funções eclesiásticas, sendo que sua destinação deve estar prevista em um orçamento aprovado por todos, inclusive com vital atuação do conselho fiscal, contribuindo para o zelo no uso dos recursos do Reino de Deus.”
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Prestação de contas. Autor de vários livros, entre os quais O novo Código Civil e as igrejas e O Direito nosso de cada dia, ambos publicados pela Editora Vida, e do DVD Implicações tributárias das igrejas, pela CPAD, Gilberto Garcia lembra que a melhor maneira de as igrejas evitarem problemas ou questionamentos jurídicos em relação à prática dos apelos à entrega de dízimos e ofertas por parte dos membros é manter a transparência na contabilidade. “É vital que a direção da organização religiosa preste contas aos membros e fiéis, pois ela é apenas uma administradora dos valores, de onde e como foram aplicados os recursos financeiros auferidos com a entrega dos dízimos e ofertas, num procedimento de transparência administrativa e no afã de estimular novas contribuições”, comenta. Considerado um dos maiores especialistas cristãos quando se trata do novo Código Civil brasileiro, Garcia lembra a recomendação de Salmos 106:3: “Felizes são aqueles que vivem uma vida correta, aqueles que sempre fazem o que é certo!” Ele acredita que a melhor maneira de conscientizar a igreja sobre a importância dos dízimos e ofertas é ensinando e aplicando os princípios contidos nas Escrituras. “Compete à igreja ensinar que as contribuições voluntárias foram instituídas na Bíblia Sagrada”, comenta. “Isso não significa que o Senhor depende do dinheiro do fiel. No entanto, por meio da amorosa entrega dos dízimos e ofertas, o membro da igreja assume, também financeiramente, a condição de cooperador do Reino — que é de Deus — para o sustento da propagação do Evangelho de Cristo, crendo que o Senhor é o grande provedor da obra.” Não custa nada lembrar a orientação de IPedro 5:2: “Aconselho que cuidem bem do rebanho que Deus lhes deu e façam isso de boa vontade, como Deus quer, e não de má vontade. Não façam o seu trabalho para ganhar dinheiro, mas com o verdadeiro desejo de servir.”
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Fonte: Revista Igreja, edição número 15. Abril/Maio 2.008

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