quarta-feira, 4 de junho de 2008

Dom Quixotes de Terreiro: uma crença muito aquém do Evangelho

.Uma crença muito aquém do Evangelho

Os jornais noticiaram que um grupo de jovens evangélicos, com idade entre 20 e 26 anos, depredou e destruiu um Centro Espírita no bairro do Catete, Cidade do Rio de Janeiro. Além disto, o grupo ofendeu e agrediu os freqüentadores do referido culto, imputando a eles a pecha de iludidos e enganados pelo demônio.

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O evento traduziria um simples caso de direito criminal, a ser tratado na referida esfera, com as conseqüências penais aplicáveis à espécie, se não nos estimulasse reflexão maior. É que eventos como esse não podem ser dissociados do todo; ainda mais que recentemente um jornal carioca noticiou em uma série de reportagens que cultos afro-brasileiros estariam sendo banidos das favelas cariocas mediante um bizarra aliança de igrejas independentes e traficantes.

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Baruch de Spinoza, em seu Tratado Teológico Político, informa que há três tipos de conhecimento: o religioso, o filosófico e o científico. Os três são formas de se conhecer o mundo, sendo o religioso o mais primário e primitivo. Todavia um só eixo de saber perpassa os três, e o dizer religioso tem a mesma ontologia dos outros, sendo-lhes, por causa de sua primogenitura, constitutivo.

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Não se nega, todavia, a maior deficiência do conhecimento religioso – dentre os três. E o seu déficit é maior, para Spinoza, pois a religião muito facilmente degenera-se em superstição: “se os homens pudessem, em todas as circunstâncias, decidir pelo seguro ou se a fortuna se lhes mostrasse sempre favorável, jamais seriam vítimas da superstição”. É este tipo de conhecimento – o supersticioso – que constitui a maneira de os agressores enxergarem o mundo.

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Não que a superstição seja exclusividade deles, ou dos evangélicos neo-pentecostais, ou dos freqüentadores e devotos do centro espírita violado; pode-se dizer que o pensamento mágico dos agressores é uma constante em nossa sociedade. A redução da melhoria da vida à destruição dos demônios e de sua ação oculta é tão mágica quanto a idéia de que a felicidade será alcançada pela aquisição desse ou daquele bem. A magia que sai da boca do pregador neo-pentecostal é a mesma que sai da mesas das agências de criação dos comerciais: a redução da complexidade da vida a um pequeno ponto, e a sua solução através de um simples ato – seja de consumo seja de religião.

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Em tempos de “O Segredo” - em que a crença no pensamento positivo é forma sofisticada de superstição - não é de se estranhar que os procedimentos neo-pentecostais mobilizem de forma tão intensa significativas faixas da população; o pior é que tais experimentos protestantes de enraizamento de seu corpo doutrinário na mística nacional não só falharam como não conseguiram superar o espírito supersticioso que amarra e escraviza o povo brasileiro desde longa data. Ao contrário, reforçou-o, a ponto de certas denominações constituírem-se currais eleitorais.

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Todavia, não foi sempre assim na história da República. Durante grande parte do século XX e desde a Proclamação da República a contribuição protestante foi de fortalecimento do conhecimento filosófico e científico como republicano por excelência: a simplicidade da liturgia e elementos do culto protestante, a devoção ao estudo bíblico e a exortação a uma prática moral da fé são a tônica disso – o apelo à Razão (estudo da Bíblia) e à Coerência (prática de vida conforme o que se crê) tendiam a contribuir para o fortalecimento do espírito republicano. O que era para o progresso da Ciência e do Saber era do interesse do República e os protestantes em sua prática não só nisto não se intrometiam como tinham suas crenças muito bem distintas - embora consentâneas - dessas esferas; por outro lado, um saber cientifico era laico e garantia a liberdade de vida e prática religiosa, razão pela qual os evangélicos de então comprometiam-se, sem crise alguma, com as formas mais augustas do saber. Historicamente, não nos esqueçamos que dos doze fundadores do Partido Republicano – em plena Monarquia – nove eram pastores protestantes e onze eram maçons...

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O que há hoje é que os grupos neo-pentecostais adotam uma cosmovisão mágica, e não mais evangélica com apelo à Razão e à Coerência. O pensamento mágico – próprio desta geração - e não só dos evangélicos – capturou a igreja evangélica e a expõe aos maiores ridículos, como, por exemplo, o de termos de ler a notícia de que um advogado evangélico exortou paraplégicos a ter fé em Deus e não nas pesquisas com célula tronco para alcançar a cura...

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Os garotos que depredaram o Centro Espírita Cruz de Oxalá agiram com um conhecimento da vida deficiente. A sua prática deficiente será corrigida pelas penas da lei – também deficiente. Lei deficiente pois corrigirá a prática dos garotos, mas não lhes alcançará o coração para corrigir o conhecimento deficiente...No fundo, crendo e entendendo a vida de forma errada, eles pensavam estar lutando ao lado do bem contra o mal. Eram Dom Quixotes de terreiro. Um dia conhecerão a vida de modo mais perfeito, pois mesmo o pensamento mágico, ainda que lá no fundo e remotamente, ainda guarda coisas boas...

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Carlos Henrique Bitencourt de Castro Magalhães
Coordenador da Associação de Advogados Evangélicos

terça-feira, 27 de maio de 2008

Julgamento da (In)Constitucionalidade da Pesquisa com Células Tronco Embrionárias

O Supremo Tribunal Federal prossegue o julgamento, amanhã (28/05), da Ação Direta de Inconstitucionalidade número 3.510 (acompanhar andamento aqui), proposta pelo Procurador Geral da Républica em face do Presidente da República e do Congresso Nacional e em que constam como interessados as ongs Conectas Direitos Humanos, Centro de Direitos Humanos, Movimento em Prol da Vida, Anis e Confederação Nacional dos Bispos do Brasil.
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Em sua petição inicial (inteiro teor aqui ) o Procurador da República contesta o artigo 5o. da Lei de Biossegurança (Lei número 11.105 de 24 de março de 2.005 - íntegra aqui ), segundo o qual "é permitida a utilização de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento". O signatário da petição inicial da referida ação, Dr. Cláudio Fontelles, argumenta que "o conhecimento científico, consolidado internacionalmente, apresenta vasta bibliografia da ciência médica, especialmente da embriologia, expressando claramente que a vida de cada indivíduo humano se inicia com a fecundação".
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Trata-se a sessão de amanhã do prosseguimento do julgamento iniciado em 5 de março passado, em que votaram favoráveis à liberação das pesquisas os ministros Carlos Ayres Britto (relator) e Ellen Gracie (então presidente). Na oportunidade, a sessão foi suspensa por pedido de vista do ministro Menezes Direito.
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No dia de hoje vários ativistas - pró-vida bem como pró-pesquisa - praticaram lobbying no Supremo Tribunal Federal, distribuindo documentos com reproduções de pesquisas a balizar uma e outra posição.
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A Associação de Advogados Evangélicos do Brasil posiciona-se no sentido de que sob os temas da interpretação dos fatos e da ciência jazem assuntos éticos sobre os quais cristãos e anti-cristãos não podem concordar facilmente e que resultam em consequências antitéticas e disputas filosóficas e políticas. Debaixo da epistemologia que autoriza a pesquisa com células tronco escondem-se conceitos anti-cristãos de desrespeito à vida e de violência aos mais fracos. De ambos os lados há uma Confissão de Fé - para os cristãos, consciente e aceita; para os anti-cristãos, oculta e negada sob a máscara do progresso e do ceticismo.
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A contribuição cristã à sociedade ocidental é construir o saber do que fazer com o que se sabe, e não construir o saber dissociado da ética.
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"Senti e experimentei que não é de se admirar que o pão, tão saboroso ao paladar saudável, seja enjoativo ao paladar enfermo, e que a luz, amável aos olhos límpidos, seja odiosa aos olhos doentes." Agostinho de Hipona, Confissões, I:16.
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Subsídios para uma Apologia de uma epistemologia cristã oposta à pesquisa com células tronco embrionários podem ser obtidos no artigo Fides et Scientia: Indo Além da Discussão de "Fatos", de Davi Charles Gomes, que a Associação de Advogados Evangélicos recomenda e que você pode ler clicando aqui.
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O julgamento será transmitivo pela TV Justiça (http://www.tvjustica.gov.br/) e pela Rádio Justiça (http://www.radiojustica.gov.br/), inclusive pela internet, a partir das 08:00 horas.
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Postado Carlos HB de Castro Magalhães, Coordenador da Associação de Advogados Evangélicos.